sábado, 24 de janeiro de 2009

Entremez das Camisas

CAMISA FILHO- pai, mãe, tenho uma revelação a fazer-vos!
CAMISA PAI- filho, que aspecto é esse? Parece que não és engomado há 2 dias!
CAMISA MÃE- é verdade, que aspecto desmazelado! Assim, não consegues arranjar estágio, ao pé das outras camisas brancas, de colarinho engomado!
CAMISA FILHO- e o que é que isso me interessa?
CAMISA PAI- o que é que te interessa? Olha, sabias que a camisa branca da Maconde, aquela nossa vizinha, que foi feita ao mesmo tempo que tu, e que tem exactamente as mesmas medidas que tu, arranjou o segundo trabalho, a servir de peça de roupa a um Director Geral?
CAMISA MÃE- é verdade! E agora, tem direito a uma gaveta própria, só para ela!
CAMISA FILHO- depois falamos sobre isso! Queria contar-vos uma coisa importante!
CAMISA MÃE- o que é que foi? Não me vais dizer que arranjaste outra namorada esquisita?
CAMISA PAI- sim, como aquela camisa vermelha horrível, que nos apresentaste! Nem sequer tinha mangas, que horror! Que bandalha!
CAMISA MÃE- quantas vezes é que já te dissemos que devias namorar com camisas do teu estatuto, brancas, sem riscas, mangas compridas e colarinhos engomados?
CAMISA FILHO- olhem, é sobre isso mesmo que vos queria falar! Já não aguento mais! Não me sinto bem no meu tecido, nem nunca me senti!
CAMISA PAI- o que queres dizer com isso?
CAMISA FILHO- quero dizer que, desde pequeno, nunca me senti como uma camisa! E quando comecei a crescer, fui-me sentindo cada vez mais, uma camisa diferente!
CAMISA MÃE- não percebo….
CAMISA FILHO- mãe, pai, gosto muito de vocês, mas não me sinto uma camisa! Nunca vos disse isso, mas quando saía à noite, com os meus amigos, metia-me sempre por baixo de camisolas de gola alta, para parecer uma tshirt! E tingia-me de cor de rosa, porque não gosto de ser branca, não me sinto branca, nem nunca senti! Depois, chegava a casa, e tomava logo um banho, para me desaparecer o cor-de-rosa, e para vocês não repararem!
CAMISA PAI- não acredito! Mentes!
CAMISA FILHO- Então, olhem para estas fotografias, que estão aqui nesta gaveta!
(o filho mostra aos pais várias fotos, onde surge em diversas poses, mascarado de tshirt cor-de-rosa)
CAMISA MÃE (a chorar)- ai, que horror!
CAMISA PAI- vês o que estás a fazer à tua mãe?
CAMISA FILHO- não tenho culpa! Eu sinto-me diferente, e não aguento mais isto! Olhem….sabem que mais? Vou fazer uma transformação ao Hospital das Camisas!
CAMISA PAI- uma transformação?
CAMISA FILHO- sim, já arranjei dinheiro, e vou ao Hospital das camisas, transformar-me, para ficar, para sempre, uma tshirt cor-de-rosa! E vocês não me podem impedir! E vou mudar de nome! A partir de agora, tratem-me por Pinky, a Tshirt de látex, orgulhosamente cor-de-rosa!
CAMISA PAI- filho, condeno-te neste instante à morte por afogamento!
CAMISA FILHO- queridos pais, apesar de tudo, sempre vos amei!

Neste momento, a CAMISA FILHO abriu a janela e saltou, deixando-se cair no vazio, e ficou a sobrevoar lentamente as ruas da cidade. Nesse momento, havia um imenso e interminável trânsito, que a CAMISA FILHO conseguiu contornar, habilmente, usando as suas mangas como se de asas se tratassem, aproveitando a direcção do vento, que soprava forte, vindo de Leste, para ficar a pairar, durante vários minutos, sobre a azáfama do fim de tarde.

2 comentários:

Ninguém disse...

Ah ah ah!
Há camisas que não são tão corajosas! Mas esta era algo... Hummm...

Maria Ostra disse...

:D
Muito bom.